Redes Sociais em Práticas de Delinquência Juvenil: Usos e Ilícitos Recenseados na Justiça Juvenil em Portugal

Autores

  • Maria João Leote de Carvalho Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal https://orcid.org/0000-0003-1490-1398

DOI:

https://doi.org/10.17231/comsoc.42(2022).3988

Palavras-chave:

jovens, redes sociais, práticas digitais, delinquência, justiça juvenil

Resumo

Na atualidade, o forte envolvimento dos jovens em redes sociais suscita o questionamento sobre potenciais efeitos multiplicadores de riscos e oportunidades para práticas de delinquência. Nem sempre é simples distinguir uma ação online inofensiva, parte integrante da experimentação social/relacional típica da adolescência, de um facto que passa a constituir um ilícito passível de intervenção judicial. Este artigo procura conhecer e discutir como o uso de redes sociais se materializa nos factos qualificados pela lei penal como crime praticados por jovens, entre os 12 e os 16 anos, no quadro da justiça juvenil em Portugal. Recorre-se à análise exploratória de informação qualitativa recolhida em Tribunal de Família e Menores, nos processos tutelares educativos de 201 jovens, de ambos os sexos. Pouco mais de terço da população viu provado o envolvimento em ilícitos com recurso a redes sociais, em três níveis diferenciados: planeamento/organização, execução e disseminação. A participação múltipla em redes sociais é dominante. É significativa a sobrerrepresentação das raparigas enquanto autoras de ilícitos, especialmente com elevado grau de violência, num continuum online-offline. A maioria dos factos analisados, de ambos os sexos, tem no epicentro, a perceção de que a honra pessoal foi atingida e requer reparação. Daí ao ato violento é um passo curto, o que pode levar à reconfiguração e troca de papéis entre vítima e agressor, nem sempre fácil de provar. Para ambos os sexos, as relações criadas a partir da escola dominam a interação entre agressores-vítimas. Mais do que o anonimato que o digital pode proporcionar, transparece a necessidade de afirmação no espaço público e/ou semiprivado, constituindo a ação violenta o catalisador para ganhar respeito pela imediata gratificação, que as redes sociais oferecem, num continuum online-offline que dá corpo à “onlife” (Floridi, 2017) que caracteriza a vida dos jovens no presente.

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Biografia Autor

Maria João Leote de Carvalho, Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal

Maria João Leote de Carvalho, doutorada em sociologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (2011). É atualmente investigadora auxiliar do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, ao abrigo de um contrato de investigação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (2021.00384.CEECIND), onde coordena a linha de pesquisa Direitos, Políticas e Justiça. Entre 2017 e 2022 foi bolseira de pós-doutoramento com apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH/BPD/116119/2016). Desenvolve investigação sobre políticas públicas de justiça e proteção de crianças e jovens, direitos da criança, delinquência, crime e violência e usos de tecnologias digitais na infância/juventude. É membro fundador das secções temática Sociologia do Direito e da Justiça (2014) e Sociologia da Infância (2018) da Associação Portuguesa de Sociologia. É membro da Child-Friendly Justice European Network (2019), European Council for Juvenile Justice/Observatório Internacional de Justiça Juvenil (2009–2020), Grupo de Trabalho Temático sobre Justiça Juvenil/Sociedade Europeia de Criminologia (2017) e Associação Europeia de Investigação e Educação em Comunicação (2014).

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Publicado

16-12-2022

Como Citar

Leote de Carvalho, M. J. (2022). Redes Sociais em Práticas de Delinquência Juvenil: Usos e Ilícitos Recenseados na Justiça Juvenil em Portugal. Comunicação E Sociedade, 42, 157–177. https://doi.org/10.17231/comsoc.42(2022).3988

Edição

Secção

Artigos Temáticos